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O que quer?

  • rafaelcdorado
  • 28 de mai.
  • 3 min de leitura

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Freud nos ensina, desde o início, que a psicanálise visa restituir o poder mágico das palavras. Isso nada tem a ver com misticismo ou teorias energéticas, como aquelas que tentam provar que, se você dirigir xingamentos ou elogios a um pote cheio de arroz, isso afetaria os grãos em sua qualidade. Boas palavras, boas energias, logo, bom arroz. E o contrário também seria verdadeiro: más palavras, arroz estragado.


A despeito de o arroz ser um alimento incrível, penso que somos mais complexos que o grão — ainda que, em alguns momentos, possamos nos sentir do tamanho de um. Não faltam experiências que nos coloquem em perspectiva em relação ao nosso tamanho. A tristeza surge, muitas vezes, no momento em que há uma descontinuidade em relação ao ideal; quando nos damos conta de que não somos tudo aquilo que o sonho infantil prometeu. E que, provavelmente, não apenas é impossível alcançar esse ideal, como há um custo muito alto em manter o compromisso de alcançá-lo.


Voltando ao que eu dizia sobre as palavras: estas têm consistência e materialidade — aí estão seus prováveis poderes mágicos. Não à toa, nos ditos populares, as palavras são comparadas à pedra e à flecha: uma vez lançadas, não podem ser desfeitas, desditas. Quem levou a pedrada não pode “desescutar”. Certamente, contudo, a análise aposta na possibilidade de reescutar de outro modo, de outra posição. Quase como se fosse possível mudar o passado — e, em certa medida, neste contexto, é. Pois, se a palavra feriu, é porque foi tomada em um sentido (significação e direção) que fecha e reduz o movimento, prende o sujeito — dito de outra forma, o aliena. Não raro, a dor se dá justamente pela paralisia; parafraseio Lacan aqui.


Sendo assim, restituir o poder mágico das palavras vai muito além de lhes dar a importância merecida — é escutar o dito que não foi ouvido, mas olvido —, e, além disso, indicar a possibilidade de outro sentido para o sujeito. Para isso, tomemos a palavra como significante.

Para quem não sabe do que falo, vai um resumo bem breve: o significante seria a imagem acústica associada a um significado. Logo, não podemos conceber a palavra como casada com seu sentido; ainda que haja palavras fortemente enlaçadas a determinados sentidos, em toda cultura.


Aí está a verdadeira magia da palavra: se escutada como significante, a poesia nasce. A poesia lança uma parte de seus tentáculos em direção ao sentido, mas sem querer agarrá-lo com muita força; haja vista que o sentido é mais frágil do que alguns imaginam. Os outros tentáculos sustentam os significantes; a via permanece aberta e deslizante. Um pouco de sentido e um tanto de abertura para ser outra coisa. De modo que, por essa lógica da poesia, um analista pode ouvir o particular de cada sujeito — como cada um se arranja com a linguagem e com a realidade. Não obstante, escuta-se além das significações, para tocar a forma como cada sujeito constitui suas cadeias significantes, como cada significante se liga a outro, fazendo alteridade.


O que cada sujeito tenta cingir com suas cadeias? O que se quer atingir com as palavras? Em torno do que gravita a cadeia? Por fim, o que queremos dizer quando nos colocamos a falar das dores e novelas da vida a um psicanalista? Aí mora a singularidade. E, para ouvir isso, um psicanalista não deve ter pressa para entender — ou melhor, não deve se ater a entender —, mas sim acompanhar o paciente de perto em seus passos: para onde vai? O que quer?

 
 
 

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