A realidade é (in) familiar
- rafaelcdorado
- 3 de jun.
- 2 min de leitura

A realidade não é algo dado. Não a compartilhamos tanto quanto supomos compartilhar. Não se trata de relativismo cínico ou aquela preguiça intelectual que nos toma quando, em interação com o outro, escutamos coisas indicando que o buraco é tão embaixo que só abrimos o paraquedas do “deixa cada um fazer o quer”; “cada um é cada um” e vamos planando pra longe; muito menos se trata de defender a lógica de self-service, em que: mais ou menos consciente, eu escolho o que quero no meu prato e pulo o que não quero. É de outra coisa que falo aqui.
Em “O infamiliar”, Freud lança mão da estética como meio de apontar o que podemos encontrar na filigrana da realidade: oposições e contradições imbricadas, retorno de elementos recalcados, a tecer em conjunto a experiência do sujeito. De modo que o indivíduo, pretensamente unificado e linear, é, na verdade, dividido e, assim como a realidade, carrega em si o porvir; algo fal(h)a à sua revelia. O processo de recalque, por uma perspectiva, da conta da experiência de desprazer em que o sujeito, ao não poder fugir de si próprio, “joga” para outro lugar (o inconsciente) aquilo que fere. O que é ferido? O sujeito? Talvez, mas não exatamente, senão sua impossibilidade, por assim dizer, de simbolizar a experiência. Dito de outra forma, há algo que não passa aos registros simbólico e imaginário; há um resto que insiste e não se fazer pelos significantes e significados. Isso o sujeito toma por falta, falha, déficit (para ser mais contemporâneo).
Por fim, a realidade parece se dar a partir da relação intrincada do princípio de realidade e o princípio de prazer. Em que, no processo de evitar desprazer e ratificar a realidade a partir do pretenso reencontro com o objeto uma vez internalizado (representado no psiquismo), o sujeito é pego, na tentativa de compor bordas no caos, na presença daquilo que ao mesmo tempo indica ausência; na presença do mais íntimo e estranho, dois tempos em um. Infamiliar.
*Texto que escrevi para divulgar o meu grupo de estudos, sobre obra de Freud sobre o infamiliar.


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